quinta-feira, novembro 10, 2011

O alcance global da missão cristã


Imagem: Google


René Padilha*

Não é necessário destacar que o ministério terreno de Jesus se concentrou em Israel, o povo escolhido de Deus. Seus contatos com os gentios ao longo do ministério, relatados pela Bíblia, são poucos. Entre eles se destacam dois casos. O primeiro é seu encontro cem Cafarnaum com um centurião romano que vai até ele em busca de ajuda para a paralisia que mantém seu servo prostrado (Mt 8:5-13; Lc 7:1-10). Quando Jesus se dispõe a ir à sua casa, o centurião lhe diz: “Senhor, não sou digno de que entres debaixo do meu telhado, mas dize somente uma palavra, e o meu criado há de sarar.” (Mt 8:8). Tal resposta surpreende Jesus e o leva a comentar com os discípulos: “Em verdade vos digo que nem mesmo em Israel encontrei tanta fé” (v. 10).

O segundo caso é o seu encontro com  uma mulher siro-fenícia na região de Tiro e Sidom (cidades gentias¹), a qual lhe roga que expulse um demônio de sua filha (Mt 15:10-20). A resposta de Jesus é desconcertante: silêncio. Ante à insistência da mulher e à intervenção dos discípulos que lhe pedem que a dispense, Jesus comenta: “Eu não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel” (v. 24). A mulher insiste e ele afirma: “Não é bom pegar o pão dos filhos e deitá-los aos cachorrinhos” (v.26). Ela não se dá por vencida e responde: “Sim, Senhor, mas também os cachorrinhos comem das migalhas que caem da mesa dos seus senhores” (v. 27). É uma resposta de fé que rende bom fruto, porque Jesus lhe contesta: “Ó mulher, grande é a tua fé! Seja isso feito para contigo, como tu desejas” (v. 28).

Poderiam ser citados outros casos de contato de Jesus com representantes do mundo gentio, mas esses dois bastam para afirmar que, ainda que seu ministério terreno tenha se concentrado em Israel, os não-judeus não foram totalmente excluídos dos benefícios de seu poder redentor. Assim, é válido lembrar que no começo do Evangelho de Mateus (2: 1-12) encontramos o relato da visita de “uns magos que vieram do oriente” para ver o recém-nascido Jesus. Já era uma mostra da importância que o menino judeu teria para os povos não-judeus.

Apesar da escassez de referências ao ministério terreno de Jesus Cristo como algo que transcende as fronteiras de Israel, é notável que a comissão dada aos discípulos tenha uma óbvia conotação global: “Ide, fazei discípulos de todas as nações” (Mt 28:19). O mesmo alcance universal está presente nas versões da Grande Comissão de Marcos 16:15, Lucas 24:47 e Atos 1:8. Evidentemente, o propósito de Jesus Cristo é que em todas as nações da terra (panta ta ethne) haja discípulos que o confessem como Senhor sob cuja soberania Deus colocou a totalidade de sua criação, e que vivam sob a luz dessa confissão.

Cabe, então, a pergunta: se Jesus Cristo tinha a intenção de que o anúncio do evangelho chegasse a todas as nações, por que limitou seu ministério quase exclusivamente ao povo de Israel? A resposta mais provável é que sua concentração em Israel foi coerente com o propósito de Deus de usar o povo de Israel como “luz das nações”. Como efeito, para isso é que ele foi escolhido! A promessa do pacto que Deus fez com Abraão não foi só de bênção para ele e seus descendentes: “E far-te-ei um grande nação, e abençoar-te-ei” (Gn 12:2). Foi ao mesmo tempo uma comissão: “E em ti serão benditas todas as famílias da terra” (Gn 12:3).

A particularidade da eleição tinha um propósito universal. O particular e o universal se unem em Jesus Cristo: ele concentra seu ministério terreno em Israel como o povo escolhido de Deus, mas na Grande Comissão demonstra que seu propósito redentor, em conformidade com a vontade de Deus, tem um alcance global. E essa é a origem das missões transculturais que vão tomando forma depois da ressurreição e exaltação de Jesus Cristo, como relatado em Atos, em cumprimento à promessa do Senhor a seus discípulos: “Mas recebereis a virtude do Espírito Santo, que há de vir sobre nós; e ser-me-eis testemunhas, tanto em Jerusalém como em toda a Judeia e Samaria, e até aos confins da terra (At 1:8).
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*René Padilha é fundador e presidente da Rede Miqueias, e membro-fundador da Fraternidade Latino-Americana e da Fundação Kairós. É autor de “O Que É Missão Integral?”.

¹São consideradas gentias as pessoas e/ou comunidades não judias, ou seja, nascidas na Judeia. 

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