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René Padilha*
Não é
necessário destacar que o ministério terreno de Jesus se concentrou em Israel,
o povo escolhido de Deus. Seus contatos com os gentios ao longo do ministério,
relatados pela Bíblia, são poucos. Entre eles se destacam dois casos. O
primeiro é seu encontro cem Cafarnaum com um centurião romano que vai até ele
em busca de ajuda para a paralisia que mantém seu servo prostrado (Mt 8:5-13;
Lc 7:1-10). Quando Jesus se dispõe a ir à sua casa, o centurião lhe diz:
“Senhor, não sou digno de que entres debaixo do meu telhado, mas dize somente
uma palavra, e o meu criado há de sarar.” (Mt 8:8). Tal resposta surpreende
Jesus e o leva a comentar com os discípulos: “Em verdade vos digo que nem mesmo
em Israel encontrei tanta fé” (v. 10).
O segundo
caso é o seu encontro com uma mulher
siro-fenícia na região de Tiro e Sidom (cidades gentias¹), a qual lhe roga que
expulse um demônio de sua filha (Mt 15:10-20). A resposta de Jesus é
desconcertante: silêncio. Ante à insistência da mulher e à intervenção dos
discípulos que lhe pedem que a dispense, Jesus comenta: “Eu não fui enviado
senão às ovelhas perdidas da casa de Israel” (v. 24). A mulher insiste e ele
afirma: “Não é bom pegar o pão dos filhos e deitá-los aos cachorrinhos” (v.26).
Ela não se dá por vencida e responde: “Sim, Senhor, mas também os cachorrinhos
comem das migalhas que caem da mesa dos seus senhores” (v. 27). É uma resposta
de fé que rende bom fruto, porque Jesus lhe contesta: “Ó mulher, grande é a tua
fé! Seja isso feito para contigo, como tu desejas” (v. 28).
Poderiam ser
citados outros casos de contato de Jesus com representantes do mundo gentio,
mas esses dois bastam para afirmar que, ainda que seu ministério terreno tenha
se concentrado em Israel, os não-judeus não foram totalmente excluídos dos
benefícios de seu poder redentor. Assim, é válido lembrar que no começo do
Evangelho de Mateus (2: 1-12) encontramos o relato da visita de “uns magos que
vieram do oriente” para ver o recém-nascido Jesus. Já era uma mostra da
importância que o menino judeu teria para os povos não-judeus.
Apesar da
escassez de referências ao ministério terreno de Jesus Cristo como algo que
transcende as fronteiras de Israel, é notável que a comissão dada aos
discípulos tenha uma óbvia conotação global: “Ide, fazei discípulos de todas as
nações” (Mt 28:19). O mesmo alcance universal está presente nas versões da
Grande Comissão de Marcos 16:15, Lucas 24:47 e Atos 1:8. Evidentemente, o
propósito de Jesus Cristo é que em todas as nações da terra (panta ta ethne) haja discípulos que o
confessem como Senhor sob cuja soberania Deus colocou a totalidade de sua
criação, e que vivam sob a luz dessa confissão.
Cabe, então,
a pergunta: se Jesus Cristo tinha a intenção de que o anúncio do evangelho
chegasse a todas as nações, por que limitou seu ministério quase exclusivamente
ao povo de Israel? A resposta mais provável é que sua concentração em Israel
foi coerente com o propósito de Deus de usar o povo de Israel como “luz das
nações”. Como efeito, para isso é que ele foi escolhido! A promessa do pacto
que Deus fez com Abraão não foi só de bênção para ele e seus descendentes: “E
far-te-ei um grande nação, e abençoar-te-ei” (Gn 12:2). Foi ao mesmo tempo uma
comissão: “E em ti serão benditas todas as famílias da terra” (Gn 12:3).
A
particularidade da eleição tinha um propósito universal. O particular e o
universal se unem em Jesus Cristo: ele concentra seu ministério terreno em
Israel como o povo escolhido de Deus, mas na Grande Comissão demonstra que seu
propósito redentor, em conformidade com a vontade de Deus, tem um alcance
global. E essa é a origem das missões transculturais que vão tomando forma
depois da ressurreição e exaltação de Jesus Cristo, como relatado em Atos, em
cumprimento à promessa do Senhor a seus discípulos: “Mas recebereis a virtude
do Espírito Santo, que há de vir sobre nós; e ser-me-eis testemunhas, tanto em
Jerusalém como em toda a Judeia e Samaria, e até aos confins da terra (At 1:8).
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*René Padilha é fundador
e presidente da Rede Miqueias, e membro-fundador da Fraternidade
Latino-Americana e da Fundação Kairós. É autor de “O Que É Missão Integral?”.
¹São consideradas gentias
as pessoas e/ou comunidades não judias, ou seja, nascidas na Judeia.
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