domingo, julho 19, 2009

A história da oração

Quando o ser humano começou a orar? Quem fez a primeira oração?

A última frase de Gênesis 4 registra que, logo após o nascimento de Enos, começou-se “a invocar o nome do Senhor” (Gn 4.26). Embora o verbo “invocar” pareça sinônimo de cultuar ou adorar, em outros textos ele é sinônimo de clamar ou orar. Numa de suas orações, Davi escreve: “Na minha angústia, “invoquei” o Senhor, “clamei” a meu Deus; ele, do seu templo, ouviu a minha voz” (2Sm 22.7). No Salmo 50, Deus diz: “Invoca-me no dia da angústia: eu te livrarei, e tu me glorificarás” (Sl 50.15). As mesmas palavras são proferidas pela boca do profeta Jeremias: “Invoca-me, e te responderei” (Jr 33.3).

A expressão “invocar o nome do Senhor” aparece seis vezes no primeiro livro da Bíblia. Abraão (12.8; 13.4; 21.33), sua escrava Agar (16.13) e seu filho Isaque (26.25) invocam o nome do Senhor. A esta altura da história humana tal ato já seria um exercício religioso habitual.
As outras orações de Gênesis não são meras invocações da presença de Deus, mas súplicas bem elaboradas e mais explícitas. A primeira é um modelo de oração intercessória. As outras são pedidos em favor da interferência da misericórdia e do poder de Deus para resolver situações difíceis (a oração do servo de Abraão), situações ligadas a problemas de saúde (a oração de Isaque) e situações de perigo (as orações de Jacó).

Abraão demora-se na presença de Deus e insiste o quanto pode em favor da não-destruição de Sodoma e Gomorra, em benefício de alguns poucos justos porventura ali residentes. E ele consegue o favor de Deus vez após vez: Deus não destruiria as cidades da campina caso houvesse ali cinquenta, 45, quarenta, trinta, vinte ou dez justos. Como não havia nem sequer dez, as cidades foram destruídas (Gn 18.22-33). O mesmo Abraão orou em favor da saúde de Abimeleque, sua mulher e servas (Gn 20.17).


O filho de Abraão e Agar, ao ser mandado embora junto com a mãe, não tendo mais água para beber, clamou e “Deus ouviu a voz do menino” (Gn 21.17).


O servo de Abraão não sabia como cumprir a delicada missão de conseguir uma esposa para o filho solteirão de seu senhor. Então apelou à oração e foi plenamente atendido. A primeira moça com a qual se encontrou na Mesopotâmia tornou-se esposa de Isaque. O servo fez questão de contar essa experiência de oração à família da jovem (Gn 24.10-50).


Como Rebeca não engravidava, “Isaque orou ao Senhor por sua mulher, porque ela era estéril”. Depois de completar bodas de porcelana, aos 60 anos, nasceram os gêmeos Esaú e Jacó (Gn 25.19-26).


Depois de casar-se com quatro mulheres, de se tornar pai de doze rapazes e de Diná, e de ficar muito rico, Jacó resolveu voltar para sua terra. Porém, logo soube que o irmão ainda alimentava vingança contra ele e vinha ao seu encalço com quatrocentos homens armados. Ao perceber que ele e sua família estavam em perigo, Jacó orou ao Senhor: “Livra-me das mãos de meu irmão Esaú, porque eu o temo, para que não venha ele matar-me e as mães com os filhos”. Foi uma oração perseverante e audaciosa, pois do lado de cá do Jaboque ele disse ao Senhor: “Não te deixarei ir se não me abençoares”. A emoção desarmou Esaú, os dois inimigos choraram um no ombro do outro e a guerra acabou (Gn 32.3-32).


O que mais se aprende com esta história de oração é a humildade com que elas foram feitas. Na intercessão por Sodoma, Abraão declarou: “Eis que me atrevo a falar ao Senhor, eu que sou pó e cinza” (Gn 18.27). Jacó também confessou o que de fato era ao começar sua oração com as seguintes palavras: “Sou indigno de todas as misericórdias e de toda a fidelidade que tens usado para com teu servo” (Gn 32.10).
Bom seria se todas as nossas orações começassem com essa confissão de Jacó e a do publicano: “Ó Deus, sê propício a mim, pecador!” (Lc 18.13).

Fonte: Revista Ultimato


quarta-feira, julho 15, 2009

Evangelização pelo testemunho


Em sua palestra no 1º Congresso Internacional de Evangelização Mundial, realizado em Lausanne, Suíça, em julho de 1974, o teólogo argentino C. René Padilla lembrou que, por trás do êxito de José no Egito, de Ester na Pérsia e de Daniel na Babilônia, estava o testemunhos desses três notáveis servos de Deus.1 A influência deles em três diferentes nações politeístas do Oriente Médio em três diferentes épocas resultou na abertura de muitas portas e em acontecimentos jamais esperados.

Na evangelização a credibilidade da igreja e dos crentes vale mais do que qualquer outra coisa. Quem não vive o que diz crer e o que anuncia deve calar-se. Pois a sua pregação seria, na verdade, uma evangelização ao contrário. É por essa razão que São Francisco de Assis dizia com certo sarcasmo: “Evangelize sempre; se necessário, use palavras”.

Tullio Ossana, professor de teologia moral em Roma, afirma que a evangelização depende em grande parte da capacidade e das virtudes do evangelizador, que deve ser fiel e merecer credibilidade, deve levar consigo a força e a capacidade do profeta, deve acolher e viver em si mesmo a mensagem que anuncia, deve saber amar o homem que, através da mensagem, Deus quer salvar.2

Nada disso é novidade. Pois Jesus, antes de enviar os doze para pregar o evangelho e curar os doentes (Lc 9.1-6), antes de enviar os setenta “a todas as cidades e lugares para onde ele estava prestes a ir” (Lc 10.1) e antes de enviar os discípulos pelo mundo todo para pregar o evangelho a todas as pessoas (Mc 16.15), disse-lhes claramente: “Vocês são o sal para a humanidade; mas se o sal perde o gosto, deixa de ser sal e não serve para mais nada [senão para ser] jogado fora e pisado pelas pessoas que passam” (Mt 5.13, NTLH). Jesus reforça o papel do testemunho, acrescentando: “Vocês são a luz para o mundo” e essa luz “deve brilhar para que os outros vejam as coisas boas que vocês fazem e louvem o Pai de vocês que está no céu” (Mt 5.14,15, NTLH). O que somos (por dentro e por fora) e o que fazemos pesa muito mais que o que anunciamos verbalmente. Precisamos ser o que Jesus foi: “Enquanto estou no mundo, sou a luz do mundo” (Jo 9.5).

Paulo reforça o discurso de Jesus e diz que nós somos o bom perfume de Cristo: “Como um perfume que se espalha por todos os lugares, somos usados por Deus para que Cristo seja conhecido por todas as pessoas” (2 Co 2.15, NTLH). Na mesma epístola, Paulo insiste mais uma vez na eficácia do testemunho: “A única carta [de apresentação] que eu necessito, são vocês, vocês mesmos! Só em ver a boa mudança em seus corações, todos podem ver que nós fazemos uma obra de valor entre vocês” (2 Co 3.2, BV).

Um livro publicado em outubro de 1997 afirma que “a fidelidade dos batizados é a condição primordial para o anúncio do evangelho e para a missão da Igreja no mundo”. Diz também que “para manifestar diante dos homens sua força de verdade e de irradiação, a mensagem da salvação deve ser autenticada pelo testemunho de vida dos cristãos”.3 Esse livro é a edição típica vaticana do Catecismo da Igreja Católica.

Dezoito anos antes do lançamento do Catecismo, a 3ª Conferência do Episcopado Latino-Americano, reunido em Puebla, no início de 1979, havia registrado:

Sendo o testemunho elemento primordial de evangelização e condição essencial para a verdadeira eficácia da pregação, faz-se mister que esteja sempre presente na vida e ação evangelizadora da Igreja, de tal sorte que, no contexto da vida latino-americana, atue como ‘sinal’ que provoque o desejo de conhecer a Boa Nova e ateste a presença do Senhor entre nós.4

Em julho de 1867, o americano de 34 anos Ashbel Green Simonton, missionário pioneiro da Igreja Presbiteriana do Brasil, declarou ao Presbitério do Rio de Janeiro:

A boa e santa vida de todo crente é a mais eficaz pregação do evangelho. Na falta desta pregação, os demais meios empregados não hão de ser bem-sucedidos. Toda pregação feita por palavras, quer pronunciadas de púlpito quer impressas em uma folha ou livro, pode ser rebatida por outras palavras. Mas uma vida santa não tem réplica. A experiência de todos os tempos prova que o progresso do evangelho depende especialmente da conduta e da vida dos que são professos.5

À vista de tudo que está escrito acima, chega-se à conclusão de que nós, cristãos brasileiros, estamos precisando mais de um avivamento ético, de caráter, de conduta, de compromisso sério com Cristo, do que de uma maior consciência evangelística e missionária. Esse fervor pela evangelização virá naturalmente logo em seguida ou mesmo durante o processo de santificação.

Sem esse avivamento de espiritualidade (o contrário de carnalidade), nossa evangelização continuará sendo uma evangelização despida de motivações santas, a serviço da concorrência entre católicos e protestantes, entre históricos e pentecostais, entre pentecostais e neopentecostais e entre igrejas de uma mesma denominação. Essa loucura nem sempre detectada dá razão à definição elaborada pelo jornalista Roberto Pompeu de Toledo:

[Evangelizar] é impor sua verdade ao outro, é convidar o outro a adotar um novo sistema de crença e valores, a destruir aquele no qual se formou, com os resultados desestabilizadores que se conhecem em sua estrutura emocional e na vida social.6


Notas

1. GRAHAM, Billy, PADILLA, René et al. A missão da igreja no mundo de hoje. São Paulo: ABU Editora, 1982. p. 191.
2. BERETTA, Piergiorgio. Dicionário de mariologia. São Paulo: Paulus, 1995. p. 500.
3. CATECISMO da Igreja Católica. Edição Típica Vaticana. São Paulo: Edições Loyola, 2000. p. 537.
4. DOIG K., Germán. Dicionário Rio Medellín Puebla. São Paulo: Edições Loyola, 1992. p. 196.
5. SIMONTON, A.G. Ashbel Green Simonton – Diário, 1852-1867. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1982. p. 209.
6. Veja, São Paulo, 15 mar. 2000.

Fonte: Revista Ultimato

Crentes: povo estranho de sorrisinho irritante... Última parte

Os exames que o médico pediu ficaram prontos; fiz, não tinha ânimo pra discutir com ele, e precisava parecer bem, eu gostava da crente, mesmo sabendo que iria embora. Urinava com dificuldade e respirar era uma tarefa ingrata. Ficaria melhor em Montes Claros.

Ir embora significava reencontrar um monte de pessoas com as quais eu não queria encontrar; Corjesu, meu irmão mais velho me encontrou em frente ao BB, quase morto, overdose de “algafan” moído e injetado; a noite inteira tentando me reanimar; nos últimos dois meses foram seis paradas. Isso, e o pó de anjo. Suicídio.

Voltar pra casa era estranho, mamãe não sabia de nada, ou quase nada, jamais fora a uma cadeia me buscar, nem hospital, nem qualquer outro lugar; se tivesse que envergonhar minha mãe, se ela tivesse que passar vexame, morrer era melhor. Não era amor igual ao que os crentes sentiam pelas mães deles, mas era, acho que era. Ou era medo de desapontar mais.

Ficava tendo pesadelo com a carinha de mamãe, triste me olhando; fazia-me bem achar que ela pensava em mim, até falava: "É melhor ter cuidado pra não chatear mamãe, ela é brava, fecha o tempo comigo se eu vacilar!” Às vezes bandido fica assim, “doidin” pra alguém se importar com ele, se for mãe então, vich!

“Quantas vezes, eu chegava em casa, era garoto, e se mamãe não estivesse acordada, pra falar que: “Cê ainda vai me ver morta! Qualquer hora cê me encontra no chão!”Que estava sentindo “uns trem no peito” e que se morresse, não queria nem que eu fosse ao enterro... Eu ia dormir contrariado: “Ave cruz! Nem ta nem aí se chego vivo ou morto, depois fala que me ama, que isso, que aquilo... Falô, então ama né?”

Era por causa da lembrança do nome das mães que não desandava tudo, volta e meia alguém gritava: “Pelo amor da sua mãe!” E isso sempre atrapalhava; botar nome de mãe na conversa nunca deu certo.

As viagens agora eram raras, eu procurava ficar na cidade a maior parte do tempo, até estudava com o Davi, um crente batista que era colega na escola agrícola, detestava o papo de crente do Davi. Roubaram o dinheiro do crente e a culpa caiu em mim, eu não roubaria um crente.

Com os remédios a aparência melhorou, ia sempre à casa da família da namorada, ainda era confuso conviver com eles, riam demais.

Ir a igreja já deixara de ser motivo de gracejos, só mesmo quando tínhamos algum compromisso maior é que eu faltava; dizia ao contato do barão que era um bom álibi caso as notícias das cargas se espalhassem, alguns motoristas estavam assustados; minha dívida com o barão já estava quase quitada.

Não odiava mais os crentes, só não entendia nem acreditava no negócio de levantar a mão. E a idéia de morar com Deus no Céu era muito cabulosa. E Deus lá ia querer saber de gente da minha laia?

“De manhã, saímos da igreja e fomos visitar gente doente; todo dia os crentes arranjavam gente pra visitar, e orar; descobri que os crentes, se não estivessem rindo, é porque estavam orando. Todo dia tinha um doente pra visitar, e orar.”

À noite eu deixei minha mochila pronta, iria à igreja, e de manhã, antes que as coisas piorassem, nós estaríamos a caminho da Rio - Bahia, última entrega, acerto de contas e adeus. Era mais seguro não estar por ali quando a polícia da capital chegasse, ser encontrado com a crente seria ruim pra ela. Ser preso na frente dela seria ruim também.

Apocalipse 3: 20, e a história do quadro com o coração desenhado, aí chega o crítico de artes desata a por defeito na pintura, e reclama que a porta não tem fechadura, até o artista explicar que aquela porta só seria aberta por dentro... Já contei essa parte em outro artigo.

O que não contei foi o quanto aquela historinha simples me atingiu, foi um estrago, seria capaz de jurar que jamais ouvira uma coisa tão linda, e cada palavra daquele homem era mais desejável que a outra, pensava em minha situação e desesperava, devia sair dali, mas esperava mais uma frase, e mais uma frase, só mais uma frase.

Estava irremediavelmente encantado com tudo que ouvia, ouviria até de manhã, como eu queria que aquelas palavras fossem pra mim! Pensava: “Porque não falam assim comigo? Se as pessoas escutassem isso, seria diferente!” Jesus era, naquela hora, do jeitinho que a música falava que era... “Oh! Vem! Sim, vem! Não te demores, vem já". Como, naquele momento, eu queria ser como os crentes! Até ensaiaria um riso! “Eis bate à porta, paciente esperando, e chama: Ó pecador, vem!”

Eu ficava ali parado e tremendo e já chorando e agonizava; “Será que esse infeliz vai esquecer, logo hoje de mandar levantar a mão? Do jeito que crente não me suporta é capaz dele não mandar levantar a mão, e aí, o que eu faço?!”

Quando dispararam: “Eu venho como estou...” Eu não quis mais saber se ele ia mandar levantar a mão, caminhei lá pra frente, nada poderia me impedir de levantar a mão, seja lá quais fossem as conseqüências. Naquela hora eu só queria levantar a mão.

Lá, perto do moço que falava coisas da Bíblia, eu fui como eu estava, pra nunca mais ser como eu havia sido até então.

A arma incomodou na cintura, eu era um “bíblia!”

(ex-interno do centro de recuperação de mendigos - Missão Vida)


Crentes: povo estranho de sorrisinho irritante... 2ª parte

“Crentes, tenho certeza, são combinados entre si, quando encasquetam com alguma coisa; perseguir alguém, por exemplo...”

Agora era assim, eu cada vez com problemas maiores, a polícia, concorrentes, outros cobradores. Mudava de cidade. Cada cidade pior que a anterior, e pra piorar não importava a distância ou o tamanho da cidade, uma coisa era certa, os crentes.

Na verdade eu não sabia dizer se sempre existiram tantos crentes no mundo e eu não notara antes, ou de uma hora pra outra brotavam crentes como brota o mato no cerrado após uma chuva. Também podia ser trauma, a experiência ruim na “toca do demo”, ou melhor, pracinha dos crentes. Era escurecer e pronto, daí a pouco eu encontrava uns crentes, se combinasse pra encontrar não daria tão certo! “Já refulge a glória eterna...” Parecia praga.

Podia dizer até em qual parte do culto eles estavam, dependia da música, isso eu sabia, dependia da música! Eu sabia. Só o lance de levantar a mão é que eu não entendia ainda.

Às vezes ouvia parte da fala, e cada vez mais odiava os crentes, recebia o folheto só pra embolar e jogar fora, lia alguns, só por ler; “fácil falar de paz, não estavam a centenas de quilômetros de casa (às vezes eu me lembrava de casa, e de mamãe.). Podiam falar de esperança, não estavam em fuga! Não corriam o risco de “rodar”, ou dar de cara com o carniceiro”. Eu estava devendo, pagavam bem pelo meu couro.

“Eram mentiras, aquilo tudo, só mentiras. Ninguém podia ser daquele jeito, feliz. Não existia lugar daquele jeito, gente daquele jeito, Deus devia ser bom, mas era para os crentes." Torturava-me. “Bandido não fica velho, morre antes”. Vivia esperando, sempre. “Como alguém podia ser crente? Eu não cairia numa conversa daquelas! Era bom demais, não era verdade.”

Agora eu vivia às voltas com os crentes, até na gang tinha o “Aleluia”, um crente, filho de crente, desviado; era o meu trunfo, a prova que eu procurava; se vida de crente prestasse um crente não sairia da igreja dos crentes pra virar ladrão e cão de guarda! “Ah, na primeira chance eu o esfregaria na cara do pastor! Só pra ver aquele sorrisinho fugindo-lhe da cara!”.

Observando o quanto “Aleluia” sofria lembrando o tempo de crente ocorreu-me arranjar um jeito de dar drogas aos crentes, no colégio; um monte de crente, viciados e sem dinheiro pra comprar mais drogas e então um monte de crentes virando ladrões, prostitutas, cães de guarda... Colossal vingança. O fim dos crentes. Mas foi só um pensamento. Pensei, e estremeci.

Vale do Jequitinhonha, saíra apressado da cidade anterior.

Nenhum amigo no colégio agrícola. Era preciso estampar o meu “crachá de otário”, não chamar a atenção. Apesar de ser um colégio interno (EAF) havia um grande número de viciados, gente pequena, fumavam maconha que plantavam nos arredores da escola ou compravam pequenas quantidades na região.

As coisas mudam...

Era madrugada quando retornei ao colégio, à base de “algafan” moído e injetado passara os três últimos dias, voltava de Taiobeiras-Mg, encomendas do barão. Assisti às aulas na horta. Dia comum e ruim. À tarde, escondido nos últimos bancos do ônibus que levava os professores de volta à cidade, ouvia a conversa dos semi-internos, tomavam optalidon, cheiravam loló, lixo forte.

Na cidade fui apresentado a uma crente, aliás, fui apresentado a várias pessoas, todas sorridentes; por se tratar de uma crente eu dediquei-me a olhar somente pra garota, não olhava pra mais ninguém, e o sorriso não era assim tão irritante, era até bom de olhar. Não senti vontade de arrancar-lhe o sorriso, isso não! Era um belo sorriso. Aquele sorriso me descansava.

Presbiteriana! Não sabia o que significava, mas que era uma bela palavra, isso era. Presbiteriana!

Agora eu sempre falava com a irmã, até o começo do namoro eu sempre me referia a ela por: a irmã! Eu, fugitivo de tantas coisas, namorando uma crente, improvável, impensável, mas era a verdade. Namorava uma crente.

Até ir à casa da namorada crente (sim, fui conhecer a família crente da namorada!) eu não tinha uma noção clara do que era viver em família; lá em casa mamãe lecionava nos três turnos e ainda costurava. Sustentar-nos, educar-nos, rigidamente. Prioridades.

Sofri um choque, aquelas pessoas rindo, e comendo e falando e rindo mais. A atmosfera me apanhou de surpresa; rir, marca daquele povo estranho. Voltaria ali muitas vezes, mas nunca ia chapado ou armado, difícil era conviver com a alegria deles, nunca discutiam, não gritavam, nunca reclamavam. Já não odiava muito.

Fui à igreja; fora as partes que eu já sabia eles me mandaram ficar de pé e eu fiquei de pé. Não sei dizer o porquê de obedecer e ficar de pé. Só fiquei.

Com todos os problemas que carregava, e com a saúde em péssima situação, decidi ir embora, as coisas dando errado, e eu sentindo inveja da vida dos crentes. Era hora de voltar para a boca do inferno. Habitat.

Alexandre Magno Aquino Duarte
(ex-interno do centro de recuperação de mendigos - Missão Vida)

terça-feira, julho 07, 2009

Não se preocupem...



Pedro Paulo Valente*

Inquietação, preocupação e ansiedade -- estes são sinônimos para descrever o mal que atormenta nossa geração pós-moderna. Nossos dias estão mais curtos, a quantidade de informações a que estamos expostos é assombrosamente grande, a competição extrapola o ambiente profissional e se manifesta em todos os nossos relacionamentos. Por fim, numa era em que o relativismo sucumbe com o absolutismo, a incerteza toma conta da nossa mente.

Não é de se estranhar que a exposição contínua a essas situações de estresse nos cause desconforto. Lembro-me da advertência de Jesus no Sermão do Monte: “Busquem, pois, em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas lhes serão acrescentadas. Portanto, não se preocupem com o amanhã, pois o amanhã trará as suas próprias preocupações. Basta a cada dia o seu próprio mal” (Mt 6.33-34). Ao contrário do que muitos pensam, as palavras de Jesus não têm a função de amenizar nosso desconforto por viver no século 21; elas nos desafiam a não nos conformarmos com a mentalidade deste século.

Enquanto o ritmo dos nossos dias tende a levar a pessoa a um estado de ansiedade que resulta num olhar essencialmente egoísta e individualista da realidade que a cerca, Jesus propõe viver o dia de hoje sem antecipar as preocupações que estão por vir. Ele nos adverte a priorizar o reino de Deus e a manifestação de sua justiça, no exercício da fé na providência divina.

Jesus não está relegando o dia de amanhã à sorte, ou a um estilo de vida irresponsável; em vez disso, está trazendo à memória que o andar preocupado não acrescenta esperança a nossa existência. Deus é pessoal e tem pleno conhecimento das nossas necessidades. Até a natureza testemunha do seu cuidado -- basta olhar para as aves do céu e para os lírios do campo.

Ao mesmo tempo, somos lembrados de que temos uma identidade. Não vivemos exclusivamente para nossas satisfações, mas para a promoção do reino de Deus. Por exemplo, andamos tão preocupados conosco que negligenciamos a atenção devida ao nosso próximo. Essa é uma situação corriqueira, capaz de nos tornar insensíveis às necessidades de nossos irmãos. Ao contrário do que se pensa, o olhar para si mesmo não traz contentamento, e sim uma busca egoísta e insaciável por prazer. Para combater este mal é primordial investir tempo em relacionamentos, pois só assim estaremos aptos a olhar para as necessidades daqueles que nos cercam.

Não é exagero lembrar que o próximo ao qual o texto se refere não se limita aos irmãos da igreja que frequentamos, mas é abrangente a toda a humanidade. Daí a urgência em promover o reino de Deus e sua justiça entre todos aqueles que estão distantes do evangelho.

Aquietai-vos, fiquem tranquilos e parem de lutar -- estes são sinônimos para descrever a reação que Deus espera de seus filhos frente às turbulências de nossos dias. Lembrem-se de que o Senhor está conosco, ele é o nosso refúgio (Sl 46.11). Cabe a nós não desanimar diante dos desafios da nossa geração e manter a proclamação do evangelho de Jesus, seja com palavras, seja com o testemunho da nossa vida.

*Pedro Paulo Valente é casado com Liz, tem 28 anos e é engenheiro de alimentos. É membro da Igreja Presbiteriana da Penha, em São Paulo, e da Associação de Fazedores de Tendas do Brasil.

Jesus te abençoe!